No Estado Democrático de Direito, espera-se do Poder Judiciário conduta pautada não apenas pela legalidade estrita, mas também pela coerência lógica, lealdade institucional e respeito ao contraditório substancial. Contudo, o que fazer quando o próprio juízo adota postura contraditória ao longo do processo, surpreendendo as partes com decisão que nega os próprios atos anteriores?
Esse cenário, infelizmente, não é incomum. Recentemente, tivemos um caso emblemático em que o juízo:
- Reconheceu a relevância da modificação da guarda de fato de uma menor;
- Designou audiência com o objetivo de apurar a nova realidade da convivência familiar;
- Mas, ao final, proferiu sentença julgando improcedente o pedido de exoneração de alimentos, sob alegação de falta de provas, sem sequer considerar as diligências anteriormente autorizadas.
- Perdeu a audiência realizada, tanto a ata quanto a gravação da audiência virtual;
- responsabilizou a parte pela ausência do acordo que o próprio juízo deixou extraviar
Trata-se de nítida violação ao princípio do venire contra factum proprium, que veda comportamento contraditório, inclusive por parte do Estado-Juiz. Tal princípio é expressão da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil), amplamente recepcionada pelo processo civil contemporâneo como um dos pilares da confiança legítima.
Além disso, a manutenção da obrigação alimentar contra aquele que suporta, de forma exclusiva, os encargos financeiros da filha menor, configura enriquecimento sem causa (art. 884 do Código Civil), o que afronta o equilíbrio e a justiça nas relações familiares.
Outro ponto que agrava o cenário é a conduta do CEJUSC local. A ausência de gravação da audiência de conciliação, ou de certidão de sua não realização, viola diretamente o Provimento nº 67/2018 do CNJ, que impõe o dever de registro e documentação das audiências conciliatórias. A omissão compromete o contraditório e a ampla defesa, além de gerar risco de responsabilidade administrativa da unidade.
É possível responsabilizar o Judiciário?
Embora juízes sejam protegidos por prerrogativas funcionais e respondam apenas nos casos de dolo ou fraude (art. 143 do CPC), os órgãos auxiliares da Justiça – como o CEJUSC – devem responder por omissões administrativas. Quando há indício de irregularidade ou falha de serviço, é cabível provocar a Corregedoria-Geral de Justiça e o CNJ para apuração, com base na função correcional e na busca por maior transparência institucional.
No Brasil cada vez mais vemos o judiciário comportar-se sem a lisura e responsabilidade necessária, tornando a insegurança jurídica um fato vergonhoso e crescente
Considerações finais
A atuação judicial deve se pautar pela previsibilidade e coerência. Quando o próprio Judiciário nega vigência aos princípios que exige das partes, compromete-se a integridade do sistema como um todo. Decisões incoerentes não apenas geram injustiças concretas, mas abalam a confiança da sociedade no processo jurisdicional.
A boa-fé, portanto, deve ser uma via de mão dupla. E a jurisdição, uma função exercida com responsabilidade, técnica e fidelidade à verdade processual.
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